sábado, 19 de fevereiro de 2011

Parece...

Há uns tempos fui eu. E tu também, mais que tu. Queria dizer que não me recordo, e essa talvez seja e porventura é minha maior lacuna. Não me lembrar...Tenho um vazio de várias horas que me preenche toda uma vida. Tenho uma festa no meu corpo por onde não passa luz, e onde se projecta um arco-íris. Por girias populares diz-se que “tudo quanto é bom passa rápido”. Assim Permitam-me discordar, tudo quanto é bom, dura uma vida. Preenche-nos a memoria, até esta transbordar materializando-se em lágrimas ou sorrisos. “Caminho a teu lado”, costumávamos dizer um para o outro (maldita sorte...) o que não queríamos, falávamos aos atropelos, e brincávamos com a alegria de duas crianças que não entendem o amor. Entretanto o tempo, com as suas características habituais, manteve-se a par dos nossos passos, perscrutando, avaliando, devagar, depressa, escondido ou de surpresa, e piscou-nos o olho, ajudou-nos a atravessar tantos mares e barreiras necessárias, deixando-se ficar, passeando... e assim o próprio tempo, deu-nos tanto tempo quanto ele tinha

A teu lado, como se tivessem cortado os fios do pára-quedas (sem toda a lentidão do tempo, fomos devagar...) entras tu; tão rápida como suave, aqui. Alterando zéfiros, com redemoinhos, fazes de mim teu, do meu espaço, nosso, da minha vida uma vida. Encontras-me. Descubro-te. À pouco tempo foste tu. E eu, parece-me, mais que eu próprio. Obrigado.

Mas....

Tal como uma mosca chata e mole que descreve círculos sobre as nossas cabeças incomodando, não pelo zumbido, mas pelo que os outros possam pensar de nós caso não tomemos nenhuma decisão relativamente a mesma. De qualquer forma, nunca estamos satisfeitos com a vida. Quem esta junto sente, sempre, falta de qualquer coisa: uns dos amigos, outros das noites passadas em claro, outros ainda das surpresas que estavam para vir.

Habituados, em todos sopra uma nostalgia. Quem está sozinho sente, sempre, falta de qualquer coisa: de uma longa e profunda conversa a dois, de se sentir seguro, do que fazer aos domingos ou de um/a confidente... Em todos sobra ansiedade. Quem esta junto abomina a necessidade de relatar todos os passos que dá, quem esta sozinho abomina não ter ninguém para justificar e/ou desabafar. Uns vociferam a comodidade, outros discutem com a instabilidade. Os que estão juntos tratam mal a rotina, os outros desejam-na. Quem esta junto tende a relacionar-se com amigos na mesma condição. Iniciam-se, obrigatoriamente, os jantares com "casais"( sempre quis escrever esta palavra!) e, obrigatoriamente de novo, falar mal dos outros a caminho de casa; acaba por ser uma fórmula simples de aliviar a tensão e não falarem de si, dos problemas internos ao casal.

Os sozinhos procuram qualidades em todos, os outros procuram implicar com os defeitos do seu par. Uns falam mal de si, outros não se assumem como tal. Em determinada altura, os que estão juntos entendem ter morrido cedo, já os sozinhos não vêem o tempo passar. Uns demoram mais para sair, os outros muito mais para voltar. Quem esta junto vê na relação um filho sem ser planeado, quem está sozinho procura colher frutos em alcofas vazias.

Algumas vezes ganhamos, outras simplesmente ficamos á espera e sonhamos que encostamos a cabeça num ombro de conforto, o único problema é que esse ombro não tem rosto, mas parece-se com o da solidão.